Em tempos de Expô, o cronista Sérgio Cardoso Ayres comenta a euforia que uma exposição agropecuária pode causar 332h1x
Por Sérgio Cardoso Ayres
Membro da Academia Barbacenense de Letras
Tudo começou com uma dorzinha aqui e outro incômodo ali. Coisa boba, de quem já ou dos cinquenta anos e acorda todo dia sentindo alguma coisa em algum lugar, ora nas costas, ora no peito, um pigarro, duas ansiedades e, quem sabe, até mesmo uma dor de barriga daquelas em que temos tempo para refletir sobre quem somos e o que fizemos de errado na vida para estarmos naquela posição, ou melhor, situação. Por isso, ele imaginou que, ao longo do dia, e toda segunda-feira é demasiadamente comprida e chata, tudo seria ageiro, como não são o motorista e o cobrador. Mas, e sempre temos uma conjunção coordenativa adversativa pelo caminho, a coisa boba foi crescendo, crescendo e, lá pelas seis da tarde, como dizem por aí, o bicho pegou de vez para mostrar que de bobo não tinha nada. E que, para morrer, basta parar de respirar.
Dentro do ônibus, a caminho do bairro Santa Efigênia, aquela pontada no abdômen, seguida de oito espirros consecutivos, uma dor no peito, nariz escorrendo mais do que as cataratas do Iguaçu, a cabeça parecendo que ia explodir e a sensação de que o mundo é cruel demais, tudo misturado em doses desiguais, foi o aviso de que algo diferente estava acontecendo. Da desimportância matinal para o desespero de final de tarde, quando deixamos a vida nos levar para caminhos pouco transitáveis, como um casal adotar um bebê Reborn para curar seus males ou mesmo noitadas seguidas de bar em bar em busca de amores perdidos, tudo mudou de repente com a impressão de que o próximo ponto de ônibus seria algo inalcançável para um cidadão comum como ele. Enquanto isso, seu organismo culpava as madrugadas que ou no Parque de Exposições naquela friagem do último final de semana. Em seguida, nosso anti-herói foi acometido por uma crise de tosse que parecia que o ado sairia de uma vez pela garganta para provar que os erros que cometemos nunca serão perdoados pelo destino. Depois, assoou tanto o nariz que virou uma mistura de Pinóquio com Cyrano de Bergerac.
E tossiu. Tossiu. E tossiu até o ar sumir dos pulmões e relembrar do xarope que sua mãe lhe dava quando criança, que era tão doce, mas tão doce que até doía. A única esperança que tinha era a de chegar em casa e a esposa preparar aquele poderoso chá de limão, não perguntar nada do tipo como foi o seu dia, cair na cama e só acordar curado no dia seguinte - que teria que ser um sábado. Qual não foi a sua decepção quando abriu a porta e descobriu que a alma abnegada que o ava tinha saído com muita pressa para Juiz de Fora ao saber que o filho único do casal, um rapaz tímido, tinha contraído mais uma síndrome, além das pernas agitadas e do intestino nervoso. Na pressa, ela esquecera o celular sobre a mesa e o arroz queimado no fogão. Assustado, refletiu sobre a vida naquela posição clássica do Pensador de Rodin num banheiro qualquer na bela e iluminada Paris. Dor de barriga é pior do que amor traído. Só o que ele não sabia era que essa noite seria de um terror mais desesperador do que sentiu o personagem criado por Zé do Caixão para o filme “À meia-noite virei buscar sua alma”. E veio mesmo – além de levar a sua saúde.
Sem o chá de limão, misturou descongestionante e antifebril com um comprimido contra dor de barriga e três colheres de um xarope que achou no armário da cozinha. Aproveitando o momento médico, engoliu os remédios de pressão, o de colesterol e um ansiolítico para relaxar. E ferveu três limões com casca e tudo e bebeu de um gole só. Ao se deitar, em pleno delírio, igual quando contraiu covid dois anos atrás, ainda ouviu do além aquela canção da saudosa Maísa conhecida como “Meu mundo caiu”. E recomeçou a suar, a tossir, a espirrar, a ter cólica, dores musculares, febre e a certeza de que a sua hora estava chegando. Sim, devia ser uma tal de síndrome grave e aguda de que falaram no trabalho. Mas essa era pior do que show de Luan Santana em noite de domingo ou de festival de selfie sobre a Expô nas redes sociais. Só aí lembrou que não havia acertado as duas últimas prestações do plano funerário e nem do plano de saúde. Só faltava mesmo chorar. E, pronto, não faltava mais...
Adormeceu e só acordou no dia seguinte depois de dúzias de pesadelos. E era terça mesmo. Levantou-se, foi até o banheiro, deu bom dia ao Pensador de Rodin e, diante do espelho, tossiu, assoou o nariz e respirou raso, já que fundo não dava. Pegou o celular, pagou os dois planos, chamou um Uber e foi para o postinho de saúde. Meio tonto, nem viu que a fila dava duas voltas no prédio antes de três no quarteirão...