O contrato de concessão das usinas de Jaguara, São Simão e Miranda que a CEMIG celebrou com a união, em 1997, contém uma cláusula contratual expressa que garante a empresa o direito de estender, por até 20 anos, a exploração das usinas cujas concessões, até aquela data, não tivessem sido prorrogadas.
No entanto, ao requerer o pedido de extensão de prazo previsto na cláusula para continuar a exploração das três usinas, que representam cerca de 60% da capacidade de seu parque de geração, a CEMIG teve o seu direito negado por atos do ministro de Minas e Energia. Na fundamentação, foi dito que a cláusula do contrato de concessão havia sido impossibilitada pela edição superveniente da Lei nº 12.783/2013.
A CEMIG recorreu à Justiça para garantir os direitos que lhe são assegurados pelo contrato, e o ime chegou ao Supremo Tribunal Federal, no qual o mérito do recurso ordinário ainda aguarda apreciação pela Segunda Turma do Tribunal Federal e não há data prevista para ocorrer. A União, no entando, determinou que as usinas sejam licitadas até 30 de Setembro.
No caso do processo de Jaguara no STJ, o relator do acórdão, ministro Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, explicou que, no Brasil os contratos com o poder público são de adesão, “aos quais são inerentes as cláusulas exorbitantes, decorrentes da supremacia do interesse público.” Diante disso, “o Poder Público pode a qualquer tempo impor essas alterações sempre que for conveniente à prestação do serviço concedido”.
De maneira ainda mais impressionante, o ministro Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin retirou do contrato istrativo a na natureza de ato jurídico perfeito. Ao assim proceder, suprimiu de contratos istrativos qualquer proteção em face de leis supervenientes, retirando dos particulares a garantia prevista no inciso XXXVI do art. 5º da Constituição Federal, segundo o qual “a lei não prejudicará {…} o ato jurídico perfeito”. Disse o ministro: “Não há ato jurídico perfeito (no sentido de que sua execução possa ser exigida judicialmente quando se trata de concessão de serviço público, restando ao concessionário que se julga prejudicado cobrar do poder concedente eventual reparação econômica dos prejuízos e, quem sabe, de eventuais lucros cessantes”.
Ao dizer que a parte não pode pleitear a execução de obrigações de cláusulas de contratos istrativos, somente podendo buscar reparação via perdas e danos – os quais, como se sabe, por se tratar do poder público, serão indenizados, em regra, via precatórios, após longuíssimo anos de litígio, o STJ está chancelando uma espécie de direito do Estado e causar danos ao particular, ainda que tenha o dever posterior de reparação. Permite, em outras palavras, que o Estado cause um dano ao particular e alongue indefinidamente a reparação da obrigação assumida.
Parece ser evidente, assim, que a decisão do tribunal retira de investidores internacionais e nacionais incentivos para fazer investimentos no Brasil, sobretudo em empresas que detêm concessões públicas. Se o contrato celebrado é flexível, podendo ser alterado pelo poder público sob a justificativa de que as alterações atendem as exigências do serviço público, termos vaguíssimos e absolutamente discricionários, não há segurança para saber quais são, de fato, as cláusulas e condições que imperarão durante a contratação.
E o pior, se o próprio Estado pode, após celebrar um contato de concessão, mudar de ideia e aprovar uma lei suprimindo obrigações que ele próprio assumiu frente a particulares, sem que seja a esses assegurados o direito de recorrer ao Poder Judiciário para, imediatamente, sustar a lesão (ou ameaça) ao direito, o Brasil, por óbvio, não se torna um país com estabilidade jurídica.
Não é possível que o governo brasileiro não enxergue que, ao não cumprir uma cláusula num contrato que ele próprio pactuou, garantindo um direito expressamente previsto, colocando no chão o valor das ações e provocando prejuízos a investidores privados nacionais e internacionais que acreditaram na empresa, está, ao mesmo tempo, destruindo a própria imagem e reputação. E é ainda mais absurdo que o Poder Judiciário chancele esse tipo de atitude do Poder Executivo, com base em fundamentos jurídicos até mesmo ilógico, contribuindo sobremaneira para a derrocada da estabilidade jurídica e da confiança nas instituições brasileiras.
A decisão do STJ no caso Jaguara é uma evidência clara de que o Poder Judiciário brasileiro colabora significativamente para construção de instituições que desenvolvem e fortalecem o poder do Estado, em detrimento dos direitos fundamentais dos particulares. Direitos de propriedade e, no caso, contratuais são relegados a segundo plano, supostamente, para atender a justificativa de comprimento do “interesse público”, justificativas essas que não são criticamente analisadas pelos tribunais e, muitas vezes, não possuem qualquer embasamento teórico ou lógico.