Sem querer entrar em discussão se ele é baiano ou carioca, o que nós conhecemos hoje como samba, tem origem no samba de roda baiano que buscava louvar os orixás
02 DE DEZEMBRO DIA DO SAMBA | De maldito a bendito 182w2z
Por Angelo Sátyro - Antropólogo
No último dia 02 de dezembro, o Brasil comemorou o Dia Nacional do Samba. Sem querer entrar em discussão se ele é baiano ou carioca, o que nós conhecemos hoje como samba, tem origem no samba de roda baiano que buscava louvar os orixás. Não tem como desassociar o samba do candomblé, da religião dos orixás, do tocar tambores e da negritude. Apesar de muito samba hoje ser branco por fora, ele é preto demais no coração. O samba do Rio de Janeiro nasceu também nos terreiros, em louvor aos orixás, conduzido por mulheres como as irmãs baianas Tia Ciata e Tia Bibiane todas ligadas ao candomblé.
Segundo nossa análise, podemos dizer que o samba tem a alma na Bahia e o corpo no Rio de Janeiro. Pois o samba, digamos carioca, foi criado na cidade do Rio de Janeiro, mas tem sua origem no samba de roda baiano levado à cidade do Rio de Janeiro no período pós-abolição (13 de maio de 1888) por baianas e baianos ex-escravizados e libertos que fugiam do estado repressor da Bahia e vinham pra corte em busca de melhores dias. E neste processo espacial e temporal, a figura da Tia Ciata (1854-1924), natural de Santo Amaro da Purificação (Bahia), que teria ido pro Rio de Janeiro com 16 anos de idade (1870), merece destaque, pois era na casa dela, também chamada de "Pequena África" que ocorriam os encontros dos ex-escravizados e libertos todos os finais de semana para um batugue, roda de samba, uma boa comida e é lógico louvar aos orixás. A Casa de Tia não só era um local de samba, mas também um local de culto, pois tocar samba, dançar samba e cantar samba era louvar aos orixás. Assim, histórica e antropologicamente, falar de samba é falar de formas expressas de resistência criadas a partir do próprio negro para manter viva sua cultura e identidade.
Se o samba tem um berço, a Casa da Tia Ciata pode ser considerada "o berço do samba", pois, neste local se reuniam grandes sambistas, onde podemos destacar Donga, autor do primeiro samba gravado em 1916 "Pelo Telefone" que segundo ele foi escrito como uma forma de protesto a agressão policial contra negros que cantassem samba ou tocassem violão e Pixinguinha. Berço do Samba sim, pois coincidência ou obra de Exu, orixá do conhecimento, da sabedoria, do princípio e do fim, o portador do axé, aquele que conhece os caminhos, e de todos os outros orixás, através de seu Supremo Maior Olorun, a Casa de Tia Ciata, situava-se à Visconde de Itaúna, 117, na Praça Onze, centro do Rio de Janeiro, onde é hoje o sambódromo.
Devido ao preconceito racial e etnocêntrico da época, tudo que vinha de negro era visto como selvagem, primitivo e do diabo, e o samba como a religião, não eram outras coisas, segundo o estado republicano repressor pós-abolição, senão isso. E em cima disso, o estado republicano, dando continuidade ao racismo que já vinha deste os tempos de Brasil Colônia (1500-1822) ando pelo Brasil Império (1822-1889), se fez presente, ao buscar reprimir a manifestação cultural do negro, ao reprimir o samba. Na busca de uma construção da identidade nacional, não poderia ser de bom tom (de pele) o Brasil ter uma música cantada nas ruas vindo de um grupo primitivo, selvagem, diabólico e preto. Relembrando Renato de Russo, alguns poderiam pensar: que país é este? já que o ideal de civilizado é cristão e branco! Desta forma, o samba como expressão de formação da construção da identidade nacional não fazia parte do estado republicano e por isso deveria ser reprimido. E assim o foi até mesmo no período Vargas que considerava o samba, coisa de marginal. No entanto, consta que Getúlio Vargas nos ano de 1930 autorizou o samba na cidade do Rio de Janeiro, capital da República, mas somente sambas com letras contando a história do Brasil. Será por quê?
No entanto, outra pergunta se faz necessário. O que seria do Brasil sem o samba? Talvez não existisse a música popular brasileira e com certeza, muitas pessoas humanas não poderiam ter manifestadas toda a sua percepção musical, literária e artística. Apesar de não ter sido inventado pelo negro, o carnaval brasileiro, a maior festa popular do mundo, seria o mesmo sem o samba? Sem o samba será que teríamos Dona Ivone Lara, Clementina de Jesus, Cartola, ou mesmo Vinicius de Moraes e Chico Buarque. Talvez não.
Portanto, o samba não nasceu no morro, ele foi sendo empurrado pra ele, e ao contrário daqueles que buscavam reprimi-lo, enfraquecê-lo, extingui-lo, é no morro que ele vai se fortalecer e é do morro que ele vai voltar pro asfalto e ganhar o seu dia nacional e ficar conhecido no mundo inteiro. O samba extrapolou as fronteiras do Brasil. Hoje, o carnaval estilo batucada existe no mundo inteiro. É só viajar para fora do Brasil para ver esta realidade ao vivo. E para aqueles que tentaram desassociá-lo da identidade nacional, ele se tornará o ritmo musical brasileiro de excelência e o principal fator de identidade nacional, de um reconhecimento de um brasileiro, seja ele preto ou branco. O samba identifica o Brasil e o brasileiro em qualquer lugar do mundo. Conheço alguns países europeus, sulamericanos e de África, e quando se fala em Brasil, se fala em samba e quando se fala em samba, se fala em Brasil. A primeira palavra que eles aprendem a falar é Brasil e a segunda, samba.
Assim, parabéns “Dia do Samba”. Parabéns sambistas, símbolos da resistência negra brasileira.
SOBRE O AUTOR:
ÂNGELO SATYRO é formado em História pela Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP e Antropologia pela Universidade de Brasília - UnB. Foi aluno de doutorado em Antropologia Social na Universidad Complutense de Madrid - UCM, onde morou na Europa por 4 anos e meio estudando a relação entre religião Hare Krishna e alimentação ritual.
Em Barbacena é Proponente das seguintes leis municipais:
Criação do Conselho Municipal de Igualdade Racial (Executivo)
Criação do Comissão Parlamentar Permanente de Igualdade Racial (Legislativo)
Criação do Comitê Técnico de Saúde da População Negra (Conselho Municipal de Saúde de Barbacena)
Como gestor, em Barbacena, exerceu os seguinte cargos:
Presidente do Conselho de Igualdade Racial - (2012/2014)
Gerente Municipal de Igualdade Racial - (2013/2014)
É autor dos seguintes trabalhos etnográficos que envolvem as populações negras e indígenas de Barbacena:
Relatório Etnográfico da Comunidade Quilombola dos Candendês - (2012)
Primeiro Diagnóstico Socioeconômico e Demográfico das Populações Negras e Indígenas de Barbacena - (2017)
Roteiro Etnográfico da Comunidade Rural Indígena dos Purí de Padre Brito em Barbacena, Minas Gerais- (2018)
Atualmente, é presidente do Instituto Cultural Primeiro Quilombo