1y342w

 



 

O frango já esquartejado na bacia exalava os temperos por toda a casa. Cheiro aconchegante de vésperas de domingo. Leia mais...

CONTO DO LIDO

A Lepra do frango 2jt29

Na tarde de sábado minha tia depenava o frango para o almoço de domingo. Em cima da pia, no gelado mármore, o frango quase todo depenado exibia sua pele amarela, cheia de fissuras causadas pela água quente e o fubá que minha tia esfregava para tirar as penugens.
Parece lepra, eu falei.
O que é lepra? Meu primo com seus 4 anos perguntou.
É uma doença que vai comendo a carne da pessoa, deixa a pele toda arrebentada, depois consome o resto até não sobrar mais nada, eu respondi com escárnio, exibindo a sabedoria de um aluno que já cursava o terceiro ano primário.
Pare de falar essas coisas, menino! Vão lá pra fora brincar! Minha tia ordenou.
Porque não pode falar? Meu priminho insistiu.
Isso é doença ruim, não pode falar. Não pode ficar pensando nisso. Tira essas coisas da cabeça e vão brincar.
Lá fora o batalhão de primos me gritava, venha de pressa, é pique esconde, tá contigo.
O frango já esquartejado na bacia exalava os temperos por toda a casa. Cheiro aconchegante de vésperas de domingo.
Brincamos a tarde inteira. Menos o Nando, o priminho pequeno, que ninguém havia dado falta, mas desde o momento em que ele vira o doente frango, ninguém mais o viu.
Gente, o Nando taí? Minha tia gritou da janela da cozinha, esfregando as mãos no avental.
Nãaao - respondemos em coro.
Onde tá esse menino? Minha tia vermelha e preocupada, já cá fora no terreiro, com as mãos na cintura gritou - Nando, ô Nando! Ela esgoelou nervosa e aflita, Nandinho! Nandinho! 
E nós também, Nando! Ô Nando! E nada do Nando responder.
Um grupo foi para os lados do curral, outro, para as laranjeiras, outros para os pés de caqui, o esbarrancado, a lagoa. 
- Olhem no tanque, no chiqueiro, na valeta! Todos já desesperados e nada do Nando. O tempo foi ando. 
Tem que avisar o pai e a mãe dele. 
Já olharam no barracão? 
Minha tia em prantos. Deus! Onde está esse menino? 
Começou a escurecer. Um carro já saíra para vasculhar as estradas próximas.
De repente, um choro forte, profundo, agoniado, eclodiu de dentro do barracão. 
Corremos em alvoroço, e bem escondido entre caixas, sacos e ferramentas agrícolas, estava o Nando, com as mãozinhas tapando os ouvidos, as bochechas vermelhas, e chorando de soluçar.
- Onde você estava menino, porque não respondeu? Eu já estava ficando louca!
Entre soluços e fazendo beicinhos o Nando falou: A senhora disse que não podia pensar na lepra e eu estou pensando, eu até escondi aqui pra parar de pensar, mas eu tô pensando. Buaaaa! Desatou a chorar.
- Deixa de ser bobo menino! Lepra não pega em gente, só em frango. Minha tia carinhosamente o abraçou com um abraço de mãe que nunca foi.
Eu quis melhorar a situação e completei: É, isso é uma doença rara e não pega assim tão fácil. Nem pega. Igual câncer!
Meu primo cessou o choro, levantou o rosto do ombro da tia, olhinhos arregalados e perguntou:
O que que é câncer?
Minha tia quase desmaiou. Vermelha em brasa fuzilou-me com o olhar - Para de colocar essas coisas na cabeça do menino e gritou a plenos pulmões - Todo mundo, já pra casa! Chega de brincar por hoje.


 

Lido Loschi

 Este trecho é parte de conteúdo que pode ser compartilhado utilizando o link http://barbacenamais-br.diariomineiro.net ou as ferramentas oferecidas na página. Textos, fotos, artes e vídeos do BarbacenaMais estão protegidos pela legislação brasileira sobre direito autoral. Não reproduza o conteúdo do portal em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do BarbacenaMais (Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.). Essas regras têm como objetivo proteger o investimento que o BarbacenaMais faz na qualidade de seu trabalho

Siga o BarbacenaMais no Instagram X Facebook







Facilidades 5f1q16